Sobre a descoberta de uma nova síndrome[1]
Francisco Paes Barreto
(do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
e da Associação Mineira de Defesa do Ambiente)
Há cerca de dez anos —nos idos de 1978— decidi afastar-me dos movimentos ecológicos. Deles participei durante alguns anos, tendo sido um dos fundadores da AMDA (Associação Mineira de Defesa do Ambiente).
Minha decisão foi calcada em duas razões principais. A primeira é que as agressões à natureza são tantas, e os defensores tão poucos, que temi ser engolfado por tanto trabalho e solicitação. E olhem que já fui viciado em causas utópicas: alguns amigos juram que sou a própria reencarnação do Quixote.
A segunda razão que me afastou das lidas ambientalistas foi ainda mais séria. É que sucumbi num quadro clínico de depressão ecológica. Assim estou denominando uma nova síndrome que sou o primeiro a nomear, examinando —infelizmente— meu próprio padecimento. Trata-se de estado psíquico caracterizado essencialmente por angústia, amargura e impotência, diretamente decorrentes da certeza de que nosso pobre planeta caminha para a degradação. Certeza dessa espécie assalta-me sempre que leio trabalhos de ecologia com notícias terríveis. E acontece que as notícias que esses trabalhos veiculam são invariavelmente terríveis.
Quem me lê pode estar supondo um exagero, ou vendo-me assustado por fantasmagorias e moinhos de vento. Retruco essa impressão com exemplos. No gigantesco rosário de agressões à natureza, a possibilidade de dois fenômenos, pondo em risco toda a Terra, deixam-me particularmente estarrecido.
1º) A destruição da camada de ozônio que circunda a atmosfera terrestre. Seria causada principalmente pela utilização industrial do gás freon, ação essa já bem estabelecida.
2º) O efeito estufa, causado pela produção excessiva de gás carbônico e pela destruição acelerada da cobertura florestal.
Os referidos fenômenos terão como consequência uma alteração do clima em escala planetária, acompanhada de uma degradação das condições de vida. A dimensão e a velocidade dos acontecimentos são imprevistas, mas se fala em aquecimento da temperatura atmosférica, elevação do nível dos mares, alternância de secas com enchentes catastróficas, ação danosa dos raios infravermelhos, entre outras tormentas.
Foi desse modo que, com pouco tempo disponível, pouquíssimos recursos à mão, ouvindo denúncias de todos os lados e assolado por promissora depressão ecológica, achei que a solução mais eficaz —embora menos elegante— seria bater-me em retirada. Desde essa época dedico-me exclusivamente a labutar na fundação de associações psicanalíticas, na reestruturação da assistência psiquiátrica, na escuta de discursos neuróticos —enfim, tarefas mais leves. Aprendi a tática com um animal que sempre foi alvo de minha curiosidade ecológica: o avestruz.
Mas, agora, passados dez anos, vejo-me no dever imperioso de manifestar-me. Por motivo muito triste. É que a destruição da camada de ozônio e o efeito estufa —na época previsões bem fundamentadas, mas, ainda previsões— hoje são realidades detectáveis. Tudo está caminhando conforme as advertências pessimistas. E pouco tem sido feito para evitar o pior. Vejam o exemplo do Brasil, dizimando o que lhe resta de matas naturais e destroçando criminosamente a Amazônia. No último inverno fizemos de nosso país uma única fogueira. A fogueira de nosso futuro.
Tudo indica que uma mudança se avizinha. Não sabemos sua real dimensão, nem se conseguiremos revertê-la. Mas, seus primeiros sinais já são visíveis. No mundo atual a questão ecológica é a mais séria que existe. Perante ela, todas as outras tornam-se menores. Sua consideração exigirá medidas de amplo alcance, com modificações muito importantes do nosso modo de vida. Soluções isoladas serão insuficientes. Daí a angústia de quem antevê os problemas sem saber como enfrentá-los. Daí a avaliação segundo a qual o desastre caminha mais depressa do que a capacidade humana de evitá-lo. Daí a depressão ecológica.
Resumidamente, eis a questão. Do tamanho do mundo. O que varia é o modo de reagir frente a ela. Uma possibilidade é ficar sabendo das coisas e partir para a luta. Exige forças, tempo, recursos e um mínimo de crença na nossa raça de macacos. Reação desse tipo nem sempre é possível. Pode faltar ingredientes, ou então grassar a convicção de que não existe vida inteligente na face da Terra —sobretudo no Brasil. Por conseguinte, outras reações se apresentam. Não querer saber das coisas. Ou saber e fingir que não sabe. Ou saber e esquecer. Ou finalmente: saber e curtir uma depressão ecológica. O leitor se encaixará num dos casos. Espero que reúna atributos para incluir-se no primeiro grupo, partindo para o combate. Entretanto, se cair no último grupo, restará um único consolo: é cada vez maior o contingente de mundanos que padecem desse mal.
Concluirei com algumas recomendações aos interessados, com base na minha vasta experiência pessoal no assunto. A depressão ecológica só melhora com um remédio cada vez mais raro: boas notícias sobre o meio ambiente, ou então o surgimento de uma esperança —por tênue que seja— de que o nosso mundo não irá para os ares. Nesse tipo de síndrome, o uso de psicotrópicos antidepressivos não traz nenhuma melhora. E a psicanálise costuma agravá-la.
[1] Artigo escrito em 1988. Antes de publicá-lo, quis ouvir algum parecer. Fui tocado pelo de João Francisco Meira: “De fato, se existe apenas noticia ruim nessa área, seu artigo é mais uma”. Desisti da publicação. E nunca mais pensei nele. Cheguei a acreditar que tinha ido para o lixo. Na pandemia, porém, fazendo faxina nos meus papéis velhos, reencontrei-o. E fiz uma reavaliação. Meira estava certo quanto a meu pessimismo. O problema da camada de ozônio, por exemplo, teve encaminhamento satisfatório. Por outro lado, a depressão ecológica, hoje, é fato consumado. Mais de 30 anos depois, o artigo vem à luz.
1 comentário
Ainda bem que o documento não foi perdido. É o valor da mania de escrever. Parabéns. Já há até um verbete no banco da língua inglesa, da Oxford, conforme li em outro lugar, que não me recordo qual: ecoansiedade. Acomete mais os jovens.