Para José Geraldo Dias
28 de junho de 1867. Richard Burton e sua tropa avistam as Três Irmãs, destacadas formações montanhosas, iluminadas pelo reflexo solar. É sinal de que a estafante jornada está chegando ao fim. A viagem, que começou em Itabirito, se aproxima do Cocho d’Água, onde uma estalagem dará guarida a homens e animais esfolados pelo cansaço.
Richard Burton é considerado o maior explorador que o mundo já conheceu. Falava 30 idiomas. Conheceu, estudou e escreveu hábitos e costumes de vários povos asiáticos e africanos. Disfarçado de afegão, foi a Meca. E a Harar, capital da Somália, de onde branco não escapava com vida. Ajudou a explorar os grandes lagos africanos, em particular o Tanganica e o Vitória (em homenagem à rainha Vitória) e a descobrir as lendárias nascentes do rio Nilo. No Brasil, pelo menos dois livros registram suas aventuras: “Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho” e “Viagem de canoa de Sabará ao Atlântico”.
No Cocho d’Água, procura a estalagem de José Clemente Pereira, onde uma cisterna de pedra fornece água abundante para os animais, além de dar nome ao lugarejo. E nada melhor do que um bom banho antes do jantar.
No jantar, uma surpresa. Depois de se saciar com o menu típico (frango com quiabo, angu e taioba), Burton escuta dois outros hóspedes conversando em inglês. Um empertigado senhor, com terno de tropical e gravata, e outro, vestido de modo mais vulgar, provavelmente seu serviçal. Aproximou-se deles.
— Pelo visto, somos ingleses…
— Com certeza! Com quem falo?
— Mr. Burton, Richard Burton.
— Então, é xará do aventureiro…
— Não, senhor. Está diante dele em pessoa.
O inglês engravatado fica pálido de espanto, mas, ao mesmo tempo, sem acreditar inteiramente no que escuta.
— O que faz você num lugar como aqui?
— Como o senhor mesmo disse, sou um aventureiro… Nas minhas viagens, examino a vegetação, a fauna, os minérios, as pessoas, os costumes, escrevo e, acredite, divirto-me demais.
— Está vindo de onde e indo para onde?
— Venho do Rio de Janeiro e vou para Morro Velho.
— Eu venho de Morro Velho e vou para Vila Rica. Meu nome é Mr. Gordon. Sou um dos Diretores da Morro Velho. Para ser mais preciso, seu principal Diretor.
Curiosa e feliz coincidência. Não é necessária muita conversa para Gordon verificar que aquele é o verdadeiro Richard Burton. Muitos assuntos vêm à tona, como, por exemplo, a estrada. Gordon comenta.
— Bem ao lado da estalagem passa a estrada real, que liga Sabará a Vila Rica. Estamos bem no meio do caminho: é um dia de viagem de Sabará, ou de Morro Velho, até aqui e outro dia até Vila Rica. A estrada não é ruim. Em 9 de fevereiro de 1831, vindo de Vila Rica, D. Pedro I passou exatamente aqui, a caminho de Sabará.
Burton seguirá viagem, então, pela estrada real. A conversa se prolonga e Gordon ordena que seu serviçal se recolha. Mais tarde, o próprio hospedeiro, José Clemente, se retira. A certa altura, uma manifestação.
— Você, Burton, é um orgulho para o nosso país, e eu gostaria de contribuir de alguma maneira para a sua aventura. O que posso, entretanto, fazer?
Cruza, então, as pernas, colocando a sola de seu sapato ao alcance de suas mãos. Mexe no grosso salto do pé direito e uma espécie de fundo falso se abre. Retira de lá linda e graúda pepita de ouro e a entrega a Burton.
— Tome. É sua. É minha contribuição para sua viagem. Aqui ainda se encontram maravilhas assim, embora cada vez mais raras. Faça bom uso!
A noite termina de modo que Burton menos esperava. Mas, no dia seguinte, cedo ainda, a tropa já está de pé. Depois de refeição matinal com café, coalhada, ovos fritos, queca inglesa, banana e mamão, a viagem recomeça.
O problema é: como carregar carga tão preciosa? Ainda bem que não é tão grande. Burton veste o tempo todo uma camisa de pano espesso e resistente, feita para ele de encomenda, na Índia. É como uma parte de seu corpo. Quando é preciso lavá-la, faz isso de modo a secá-la no mesmo dia. Assim foi nas águas do rio das Velhas, assim foi nas águas do São Francisco. Quando chove, nem isso é preciso.
Resolve, então o problema: afasta com delicadeza alguns fios, introduz a pepita e passa a carregá-la na bainha da camisa. Quem irá desconfiar que uma roupa molambenta guarda uma preciosidade?
Em sua longa viagem, nos raros momentos em que está só, desentoca a pepita e começa a namorá-la. Como é linda! Quanto deve valer? Resposta que não terá no Brasil. Só em Londres.
Como tudo acaba um dia, a viagem chega ao fim, e Burton a Londres. É confortável saber que, para seu futuro, ou para sua velhice, pelo menos uma pepita de ouro existe. Resolve avaliá-la. Confirmado: ouro de grande pureza e alto valor.
Sua decisão, porém, é não vendê-la e não contar que ela existe. Continuará guardada na inseparável camisa, que se torna, assim, também o seu banco ou o seu cofre. A bela pepita, de vez em quando ele a corteja, como objeto de estimação, como talismã.
Em Londres, o reconhecimento de Richard Burton é grande. Recebe da rainha Vitória o título de Sir e é nomeado cônsul em Trieste. Em 1890, o desfecho: morre por ataque cardíaco.
Conforme desejo seu, foi enterrado com sua inseparável camisa, que levou consigo um segredo jamais revelado.