É possível constatar: na região metropolitana de Belo Horizonte existem, hoje, somente dois hospitais psiquiátricos (um público e um privado, ambos de médio porte). Há 50 anos era diferente: três hospitais psiquiátricos públicos (dois de grande porte) e oito privados (sendo cinco de grande porte). O que é isso? A metrópole cresce exponencialmente… e os loucos chegam ao fim?
A resposta mais simples aponta dois grandes fatores. O primeiro é a reforma psiquiátrica, com a introdução de novos dispositivos de atendimento, que constituem a rede de serviços de saúde mental. Em vez de atenção centralizada, verdadeira malha que chega ao bairro do usuário. O segundo fator é a difusão de novos métodos de tratamento, como atenção individualizada, medicamentos psicotrópicos e meios socioterápicos. Os poucos casos que requerem internação são resolvidos em pequenas unidades de atendimento.
A pergunta trazida suscita algo muito mais complexo: a questão da segregação.
Os loucos sempre existiram e sempre existirão. O que muda é o tratamento dado a eles.
Para começar: a segregação do louco deve ser examinada de forma bilateral, com a consideração da posição do meio social e da posição do próprio louco. Sim, o próprio louco tende a se isolar, até mesmo dentro de sua casa, devido a aspectos de sua linguagem, ou então a hábitos de vida que ele elege. A reação do meio social a isso pode atenuar ou agravar o problema. Seja como for, cabe afirmar: a tendência à segregação do louco não é de ordem circunstancial, é de ordem estrutural.
Para falar de modo claro: superar a segregação do louco exige empenho permanente, não é algo que se resolve com a derrubada dos muros do manicômio.
Os muros… Eles não servem apenas para excluir, servem também para proteger. Na Idade Média, as cidades e os castelos são cercados por muralhas, que defendem dos inimigos externos. Hoje, os inimigos estão dentro das cidades, e os muros cercam os condomínios, que segregam os ricos.
Além do mais, existe segregação sem muros. Muito mais ardilosa, muito mais cruel. Algo às vezes invisível, da ordem da discriminação. Exemplos extremos e visíveis são a população de rua e as cracolândias. Também aqui a segregação tem dois lados, não é unilateral: o excluído também participa dela.
O fim do hospital psiquiátrico, por conseguinte, não é o fim dos loucos, nem o fim da segregação. É, sem dúvida, passo importante, mas que exige reflexão.
Uma última sinalização sobre o papel do meio social reporta diferentes épocas históricas. Na Idade Média, período teocrático da história ocidental, os segregados são os portadores da doença sagrada, a lepra. Com a Revolução Francesa e o advento do iluminismo, o racionalismo vigora, e os segregados passam a ser os loucos. Agora, quando impera a civilização do consumo, os segregados são os dependentes químicos, grandes consumidores de certas drogas.
O tema da segregação é amplo e exige maiores desdobramentos. No presente artigo fica ressaltado que tem dois lados e não é questão de muros.
Ao contrário de refrões idealizados, os humanos são fundamentalmente desiguais, e o que pode ser buscado, com muita dedicação, é uma diferença que não leve à exclusão.
2 Comentários
Muito bom esse texto!
É verdade que o foco da segregação muda sempre, mas ela sempre fica. Importante nos tratarmos da segregação como tal no lugar de se preocupar com o objeto segregado.
De acordo! Seria uma abordagem estrutural.